Desenho de  Carlos Botelho, 1937
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"A um século do seu nascimento, uma exposição centrada no espólio de Gaspar Simões terá todavia de ser vista a partir da distância que a objectividade requer e o tempo se encarregou de ir instalando entre nós e a geração dos que, com ele, deram vida ou simplesmente agitaram na República o espaço das letras, um dos raros em que, durante décadas, a inteligência respirou e a liberdade se reinventou.(...)"

 
 

De 26 de Junho a 27 de Setembro de 2003

João Gaspar Simões, 1903-1987

Expor os «papéis» de João Gaspar Simões é expor um capítulo indispensável na história da literatura portuguesa do século XX. Podemos discutir a importância da sua obra enquanto romancista ou a pertinência das suas observações e conclusões enquanto ensaísta e crítico literário, tal como ele fez em relação à maioria dos escritores seus contemporâneos. Mas o papel de autêntico árbitro do estilo, esse lugar de juiz que para si próprio inventou, mais do que realmente ocupou, e no qual, não sem algum quixotismo, assentou arraiais que duraram meio século e desafiaram meio mundo, resiste às oscilações conjunturais de perspectiva, desenhando-se, nítido e singular, em páginas que será difícil rasurar da cultura portuguesa moderna.

Simões é o crítico por antonomásia, não porque seja superior aos demais, mas porque ninguém mais o foi com o denodo e, porventura, a ingenuidade com que ele acreditava ser, fazendo ao mesmo tempo os outros acreditarem numa vida literária nacional cuja existência, pelo menos em certos períodos, talvez houvesse razões para não tomar tanto a sério. O voluntarismo que pôs nos mais diversos projectos a que deitou mãos ou a que se juntou, alguns dos quais, como a revista presença, foram de importância indiscutível, a persistência com que manteve a crítica regular em jornais e revistas, perante a indiferença dos meios académicos e a incompreensão que o ofício inevitavelmente acarreta, e a convicção com que defendeu as suas ideias fazem dele uma personagem invulgar. Guardar, pois, o seu espólio na Biblioteca Nacional, alinhar os seus papéis junto aos milhares de livros sobre os quais escreveu, é porventura a mais significativa homenagem que se lhe pode prestar.

A um século do seu nascimento, uma exposição centrada no espólio de Gaspar Simões terá todavia de ser vista a partir da distância que a objectividade requer e o tempo se encarregou de ir instalando entre nós e a geração dos que, com ele, deram vida ou simplesmente agitaram na República o espaço das letras, um dos raros em que, durante décadas, a inteligência respirou e a liberdade se reinventou. O que há nestes papéis é, de facto, muito mais que a simples herança espiritual de um apaixonado da literatura que se lhe entregou, a ponto de fazer dessa paixão um modo de vida. Por detrás do seu tom amarelecido e desbotado, para além da sua estrita referência biográfica, é toda a cultura, senão a história, do nosso século XX que assoma, com as suas grandezas e misérias, os seus rasgos criativos e as conhecidas peias de natureza ideológica e política que condicionaram o seu contacto, para já não falar do seu diálogo, com os movimentos estéticos contemporâneos. Seja, pois, qual for a opinião que se tenha sobre o trabalho crítico, ensaístico ou ficcional de Gaspar Simões, o lugar por assim dizer estratégico que ele ocupou, na fronteira entre os escritores e o público, tal como o papel que para si reivindicou de juiz, autorizado e isento, da criação literária conferem ao seu legado e às marcas que dele preservamos um interesse que extravasa em muito a do testemunho individual de um escritor. Daí que a Biblioteca Nacional, ao aceitar a generosa doação de sua filha, a Srª. Dª. Maria Joana Gaspar Simões Alpuy, tenha também contraído a enorme responsabilidade de a conservar e legar às gerações futuras como um retrato invulgarmente expressivo do nosso passado recente.

A presente exposição, estamos em crer, constitui uma prova de que essa obrigação não foi esquecida e de que a Biblioteca Nacional, com a sua comprovada experiência e a dedicação que sempre evidenciou na salvaguarda do património literário e documental, compreendeu a verdadeira dimensão de Gaspar Simões e tem assegurada a preservação e o acesso dos investigadores a um acervo da maior utilidade para o estudo da história literária portuguesa.

Diogo Pires Aurélio
Director da Biblioteca Nacional


Horário de visita à Exposição: Dias úteis: 10h - 19h
Sábados: 10h-17h
Encerra domingos e feriados

De 14/07 a 15/09 Dias úteis: 10h - 17h
Encerra Sábados, domingos e Feriados

Entrada Livre. Para mais informações sobre este evento contacte o departamento de Relações Públicas e Divulgação Cultural da Biblioteca Nacional.